quarta-feira, outubro 06, 2010

Os Contos na Revista [C:E:I]


Como habitual, saiu um artigo nosso no último número da Revista [C:E:I] "Cadernos de Educação para a Infância" da APEI.

O tema desta edição eram os "brinquedos" e, (como não podia deixar de ser) nesta crónica do "Contos para Acordar" inspirei-me nas palavras de Álvaro de Magalhães para explicar que para um contador as palavras são brinquedos muito sérios... Espero que gostem tanto de ler como eu gostei de escrever!



CONTA-brinca-DOR
Quando era pequena, ou média, ou mais ou menos grande… já não me lembro muito bem da altura exacta (o que não tem grande importância para o caso), ouvi um texto do Álvaro Magalães que me marcou até hoje.

Na altura não percebi exactamente o que ele (o texto) me dizia, para além da sugestão idílica da expressão “não quero trabalhar seja no que for”. Mas a verdade é que todas as frases e os seus vários sentidos viveram comigo durante a adolescência e grande parte da minha vida adulta, como que adormecidos, esquecidos numa gaveta onde guardamos um monte de tralha que podemos querer usar mas que quando precisamos nunca sabemos onde está.

Um dia, uma tarde ou uma noite… não sei precisar as horas, mas sei que foi em Beja há uns anos atrás, tropecei numa nova leitura do tal texto, inspirador desde o título (“O Brincador”) à última palavra (“palavras”). E é aqui que começa o que vos quero contar…

Enquanto era pequena pensava “quando eu for grande, não quero ser médica, engenheira ou professora”, não sabia bem o que queria ser, mas sentia que teria de ser algo ligado às palavras, às emoções e, principalmente às pessoas. A vida tem curvas e bifurcações e, no meio dos muitos papeis que representamos no dia-a-dia redescobri, com o meu filho mais velho, que o importante na vida é mesmo “brincar seja com o que for” e decidi fazer dessa tarefa o meu passatempo oficial que rapidamente se tornou na ocupação principal.

Como é natural nestas coisas de mudanças de rumo, há sempre quem nos condene à morte certa, afinal o seguir de um sonho é sempre muito mais incómodo, trabalhoso e arriscado do que ficar calmamente sentado no sofá que a vida nos vai proporcionando, e muitos foram os que disseram “que não pode ser, que não é profissão de gente crescida”, alguns chegaram mesmo “a suspirar, é assim a vida”… E eu, já de cabeça baixa, prestes a abrir mão de um sonho de criança só pensava “custa tanto a acreditar! Pessoas que são capazes, que um dia já foram raparigas e rapazes, e já não podem brincar?!”

E foi então, no ambiente mágico das Palavras Andarilhas, que ouvi novamente o texto que deixara adormecer na memória e me dizia tudo o que precisava de ouvir - “A vida é assim? Mas não para mim! Quando eu for grande quero ser um brincador!” E então lutei, estudei, aprendi, li, ouvi, senti e contei e contei e recontei. Até um dia me encontrar dentro das palavras do Álvaro de Magalhães que há tantos anos me tinham sido lidas – “brincar e crescer, crescer e brincar” e percebi-me Contadora.

É claro que, quando olhamos com atenção, percebemos que afinal não somos os únicos e que há mais gentes de olhos brilhantes, vozes mágicas e mãos esvoaçantes que como eu “se levantam cedo todas as manhãs, para brincar com as palavras!”

Hoje, sempre que vou trabalhar lembro-me do “Brincador” (e digo-o até varias vezes) porque é desta brincadeira entre palavras, sentidos e emoções que faço a história com que me entrego contando, a brincar - mesmo quando é a sério.

Liliana Lima

«Quando for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor.
Não quero trabalhar de manhã à noite, seja no que for.
Quero brincar de manhã à noite, seja no que for.
Quando for grande, quero ser um brincador.
Ficam, portanto, a saber: não vou para a escola aprender a ser um médico, um engenheiro ou um professor.
Tenho mais em que pensar e muito mais que fazer.
Tenho tanto que brincar, como brinca um brincador, muito mais o que sonhar, como sonha um sonhador, e também que imaginar, como imagina um imaginador...
A mãe diz que não pode ser, que não é profissão de gente crescida. E depois acrescenta, a suspirar: “é assim a vida”. Custa tanto a acreditar. Pessoas que são capazes, que um dia também foram raparigas e rapazes, mas já não podem brincar.
A vida é assim? Não para mim. Quando for grande, quero ser brincador. Brincar e crescer, crescer e brincar, até a morte vir bater à minha porta. Depois também, sardanisca verde que continua a rabiar mesmo depois de morta. Na minha sepultura, vão escrever: “Aqui jaz um brincador. Era um homem simples e dedicado, muito dado, que se levantava cedo todas as manhãs para ir brincar com as palavras.»

“O Brincador” de Álvaro Magalhães

1 comentário:

Mafalda Pedra Soares disse...

Que bom é sentir a convicção de alguém que se quer ver sempre a brincar a sério. Muito motivadora, inspiradora e reluzente. Como sempre, Minha Aluada Preferida!